Apesar de semelhanças ideológicas, pragmatismo da italiana e radioatividade da francesa dificultam convergências

Porto Velho, RO - As líderes de dois partidos de ultradireita que, nos últimos anos, têm conseguido convencer eleitores de que seus dias de radicalismo ficaram no passado, Marine Le Pen, na França, e Giorgia Meloni, na Itália, despontam como as vencedoras em seus países da eleição para o Parlamento Europeu, que ocorre até domingo (9). O que elas vão fazer com esses resultados em mãos, incluindo a possibilidade de unir forças, é um dos desfechos mais aguardados dessa votação.

Segundo as pesquisas, o partido de Le Pen, Reunião Nacional, pode ficar com 30% dos votos na França, o dobro da sigla do presidente Emmanuel Macron. O Irmãos da Itália, de Meloni, pode repetir o primeiro lugar na preferência dos eleitores, mantendo o resultado de 2022, quando venceu as eleições nacionais com 26% e garantiu a vaga da primeira-ministra.

Se, para Meloni, será uma aferição da aprovação ao seu governo, para Le Pen, a conquista, se confirmada, dará fôlego novo ao seu grupo político, na oposição. Estar e não estar no poder é uma grande diferença entre as duas líderes hoje, e, apesar de serem ambas do mesmo espectro político, não é a única.

"Ideologicamente, elas ainda são muito parecidas", afirma Marta Lorimer, pesquisadora de política europeia e extrema direita na London School of Economics and Political Science. "As duas têm interesse em reduzir a imigração, têm forte preocupação com a soberania nacional e ficariam mais felizes com uma União Europeia com menos atribuições."

No entanto, a experiência de Meloni no poder a afastou, ao menos por ora, de posições mais estridentes. No combate à imigração ilegal, encontrou uma aliada em Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, braço executivo do bloco, ao colocar foco no controle das fronteiras externas.

Ao mesmo tempo, a italiana apoiou a reforma do pacto europeu de imigração, que estabelece um sistema de realocação, entre os países, de imigrantes em situação irregular que solicitam asilo. Antes, esse pedido tinha de ser feito no país de entrada, o que sobrecarregava a Itália, principal ponto de desembarque no Mediterrâneo. Agora, pode ser dividido com outros membros. A novidade foi duramente criticada pelo grupo de Le Pen.

"A imigração é um dos pontos em que a experiência de governo levou Meloni para o pragmatismo", diz Gilles Gressani, diretor do Grupo de Estudos Geopolíticos da Escola Normal Superior, em Paris, e editor da revista Le Grand Continent. "Como até agora o partido de Le Pen não governou nada de importante, ele não precisou enfrentar questões políticas reais e pode continuar numa lógica de campanha eleitoral permanente."

Tanto a francesa quanto a italiana já vociferam contra Bruxelas. Mas, embora ambos os tons tenham se suavizado, especialmente em relação ao euro e à permanência na UE, também aqui há diferenças. "Meloni tenta se apresentar como alguém que vai mudar a UE por dentro e busca respeitabilidade na arena internacional. Le Pen não tem interesse nisso, ela quer se apresentar como a principal opositora dentro da França", diz Lorimer.

Para Gressani, a italiana tem adotado uma estratégia em que busca uma espécie de aliança com as elites, incluindo o mercado, a alta burocracia estatal e a diplomacia mundial, para continuar estável no poder. "Paradoxalmente, Meloni fez da Europa um ponto de força. Já Le Pen continua a dizer que a Comissão Europeia é parte do problema."

Outro tema que as distancia é a Guerra da Ucrânia. Mesmo antes de assumir o governo, Meloni apoiou Kiev após a invasão russa e adotou até aqui uma posição pró-Otan. Apesar de ter sido simpática no passado ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, como outros líderes da direita radical, rompeu com ele.

"Le Pen tem sido muito mais ambígua. Ela é cuidadosa em suas críticas", diz Lorimer. Em parte, porque foi muito mais próxima de Putin, tendo inclusive recebido dinheiro russo em campanhas eleitorais. "Ela diz que condena a invasão russa, mas que, em vez de mandar armas para a Ucrânia, o foco deveria ser a busca pela paz."

Há ainda outra diferença, segundo Gressani: o currículo institucional de Meloni. A italiana, que começou a militância política na adolescência, tornou-se vice-presidente da Câmara dos Deputados em 2006, aos 29 anos e, dois anos depois, virou ministra. "Ela tem uma carreira de alto escalão, conhece e foi recebida por todos. Enquanto Le Pen permanece um nome radioativo", afirma.

Não é à toa que o principal candidato do RN seja Jordan Bardella, não Le Pen –outra movimentação que diverge da de Meloni, que concorre como principal nome do Irmãos da Itália, embora não tenha intenção de deixar o governo para se tornar eurodeputada.

No nível europeu, as duas líderes pertencem a famílias políticas diversas. Enquanto a francesa integra o grupo Identidade e Democracia (ID), a italiana faz parte dos Conservadores e Reformistas (ECR). Projeções indicam que, juntos, podem conquistar 143 cadeiras e atrair outras forças da ultradireita, como o Fidesz, de Viktor Orbán, que hoje está sem grupo.

Diante das boas chances, Le Pen tenta se aproximar de Meloni, a quem convidou para unir forças. "Seria muito útil. Podemos nos tornar o segundo grupo no Parlamento Europeu", disse a francesa no fim de maio.

Meloni também tem sido cortejada por Von der Leyen, cuja tentativa de reeleição passará pela indicação dos líderes dos 27 países, no âmbito do Conselho Europeu, e pela aprovação dos próximos eurodeputados.

A atual maioria que sustenta a alemã, formada pelo seu Partido Popular Europeu (PPE), pelos sociais-democratas e pelos liberais, corre o risco de não atingir a quantidade de votos necessária (361 de 720). Embora esses grupos possam chegar, segundo estimativas, a 391 cadeiras, há sempre o risco de surpresas, já que o voto é secreto.

A partir de segunda-feira (10), conhecidos os resultados das eleições, Meloni poderá ser decisiva na recomposição política das instituições europeias. Para Gressani, a italiana terá papel central dentro do Conselho Europeu, onde são negociados os cargos da Comissão Europeia, e não só a presidência. O PPE, pontua o especialista, não governa com força nenhum grande país, e poderá ser Meloni aquela que defenderá o nome de Von der Leyen para um segundo mandato.

Para a pesquisadora Lorimer, Le Pen tem muito mais a ganhar com uma parceria com a italiana do que o contrário. Além disso, mesmo juntando forças, o grupo não seria grande o suficiente para conquistar uma maioria e realmente promover mudanças de rumo no Parlamento Europeu. "Penso que Meloni não tenha interesse em trabalhar com Le Pen. Para ela e o ECR, é muito útil ter um grupo ainda mais à direita, para que eles possam dizer que são conservadores razoáveis", avalia.

Fonte: Folha de São Paulo